Atualizado em 06/12/2024
Por Fernanda Maranhão
(Capítulo extraído do livro "Kozák e os Povos Indígenas do Brasil")
Expressão da cultura popular afro-brasileira, a Congada, Congado ou Reisado, tem origem no período colonial e ainda hoje integra o calendário de festas tradicionais de Minas Gerais, São Paulo e de alguns estados do nordeste. O argumento central dessa manifestação popular é a história da colonização portuguesa na África, particularmente o domínio e cristianização dos reinos do Congo e de Angola.
Imagens produzidas por Vladimir kozák pertencentes ao
acervo do Museu Paranaense / SEEC - Governo do Estado do Paraná
No Paraná, no século XIX, há registros de Congadas que eram encenadas em Curitiba, Castro, Paranaguá e na cidade da Lapa. Os festejos aconteciam no dia de São Benedito, 26 de dezembro, e constituíam uma das atividades das irmandades católicas de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito.
Atualmente, apenas um grupo de Congada ainda resiste na cidade da Lapa: a Congada da Família Ferreira. Ney Ferreira é o mestre e guardião desta herança cultural. Conhece as falas e as letras das músicas do auto, que são transmitidos para as gerações mais jovens durante os ensaios. A peça mais preciosa do acervo da família Ferreira, guardada a sete chaves, é um caderno manuscrito datado de 1935. Nele estão anotadas as falas dos personagens da Congada.
Possivelmente o primeiro registro cinematográfico da Congada da Lapa foi realizado em 1951, pelo antropólogo José Loureiro Fernandes e pelo chefe da Seção de Cinema Educativo do Museu Paranaense, Vladimir Kozák. Naquele ano, no mês de agosto, haveria o I Congresso Brasileiro de Folclore, no Rio de Janeiro, o professor Loureiro queria divulgar sua pesquisa sobre a Congada e representar o Paraná no evento. Entretanto, já fazia alguns anos que a Congada da Lapa não se apresentava. Até o figurino teve que ser produzido para a encenação. Coube a Kozák fazer a coroa do Rei do Congo com papelão, tinta, arame, miçangas e fitas. Uma pele de onça, do acervo do Museu Paranaense, foi utilizada para complementar o cenário.
O filme “Congadas Paranaenses” tem a duração de 50 minutos e apresenta todas as etapas do auto da Congada da Lapa de 1951. Foi dirigido e produzido pelo antropólogo José Loureiro Fernandes, com verbas do Museu Paranaense. Vladimir Kozák fez a filmagem, a direção de arte, o roteiro e a edição. As imagens foram gravadas em filme 16 mm, colorido e sem sonorização.
O filme tem início com a imagem do mapa do Paraná e a localização da cidade da Lapa. Em seguida são apresentados os personagens da Congada: guias, músicos, porta-bandeira, duque, chefe, embaixador, nobre, marques, secretário, príncipe, a rainha, o rei do Congo e o reizinho. Na primeira cena, o Rei do Congo, interpretado por Celeste Ferreira, dorme à sombra de uma araucária, o pinheiro do Paraná. A intenção de Kózak é conduzir o espectador no sonho do rei, criando uma situação lúdica, mas sem a utilização de efeitos sonoros ou falas, pois o filme não possui áudio.
A Congada é uma manifestação tradicional da
cultura popular brasileira, celebrada em diversas regiões do Brasil.
No Paraná, a cidade da Lapa é uma das poucas localidades da
região sul onde a Congada acontece.
Em seguida, o Rei acompanhado de um menino, o reizinho, caminha no centro histórico da Lapa. Os dois dirigem-se para a periferia da cidade, onde os demais personagens da Congada preparam-se para uma apresentação. Juntamente com o Rei, o cortejo real, devidamente caracterizado, percorre as ruas da cidade até o local da apresentação onde fora montado um palco, em frente ao Santuário de São Benedito.
Na sequência começam as danças, cantos e declamações dos diversos personagens: rei, rainha, príncipe, secretário, embaixador, cacique e os meninos conguinhos. Estes encenam a visita da embaixada da rainha Ginga de Angola ao rei do Congo Zumbi Ganaiame. Esta ruidosa embaixada chega em um momento impróprio, interrompendo os festejos de devoção a São Benedito e causando um incidente diplomático. Após a dramatização de uma guerra, o rei do Congo vence a batalha e convida a embaixada de Angola para participar das homenagens ao santo.
Através da festa, das encenações, da música, dos cantos e declamações, os integrantes da Congada reafirmam sua identidade e memória. De forma lúdica, reverenciam seus ancestrais e o continente africano, formado por reis, rainhas e reinos poderosos como o Congo e a Angola. A Congada da Lapa é antes de tudo resistência. Descendentes de escravizados buscam visibilidade cultural em um Estado marcado pela valorização da história das tradições dos imigrantes europeus.
Imagens do filme “Congadas Paranaenses” produzido pelo antropólogo Jose Loureiro Fernandes,
com direção de arte, filmagem e edição de Vladimir Kozák.
Imagem pertencentes ao acervo do Museu Paranaense / SEEC - Governo do Estado do Paraná
Manuscrito de Vladimir Kozák
“São Benedito foi cultuado pelos escravos negros por séculos e séculos. Este culto e veneração sobreviveu aos nossos dias, e os homens livres até hoje promovem festas em honra a este santo negro. Mas estes festivais mesmo raramente são ocasionalmente realizados na Lapa.
Neste lugar histórico, as Congadas têm sido realizadas somente uma vez a cada dez anos. As Congadas da Lapa, são uma estranha mistura, da religião católica africana, europeia e portuguesa, formando um folclore único.
A história desenvolve-se a partir de um fato histórico a conquista do território de Angola na África pelos portugueses. E apresenta a história de como a rainha africana, Ginga a soberana de Angola enviou embaixadores ao rei do Congo, o poderoso naqueles dias Zumbi Gonaiama.
Mas os embaixadores foram feitos prisioneiros, por Zumbi Gonaiama, mais tarde é claro eles foram perdoados e retornaram com uma mensagem do rei negro para a rainha Ginga.
Este é o final feliz deste espetáculo alegórico tal qual foi encenado em 06 de maio de 1951 na Lapa. Como é bom se tornar um rei, mesmo que seja em um sonho” (KOZAK,1951).