Capítulo XXXII

O Rei do Congo

Por Fernanda Maranhão

(Capítulo extraído do livro "Kozák e os Povos Indígenas do Brasil")

 

Expressão da cultura popular afro-brasileira, a Congada, Congado ou Reisado, tem origem no período colonial e ainda hoje integra o calendário de festas tradicionais de Minas Gerais, São Paulo e de alguns estados do nordeste. O argumento central dessa manifestação popular é a história da colonização portuguesa na África, particularmente o domínio e cristianização dos reinos do Congo e de Angola.

 

WhatsApp Image 2024-11-19 at 07.50.09.jpeg
WhatsApp Image 2024-11-19 at 08.03.20.jpeg

Imagens produzidas por Vladimir kozák pertencentes ao

acervo do Museu Paranaense / SEEC - Governo do Estado do Paraná

 

No Paraná, no século XIX, há registros de Congadas que eram encenadas em Curitiba, Castro, Paranaguá e na cidade da Lapa. Os festejos aconteciam no dia de São Benedito, 26 de dezembro, e constituíam uma das atividades das irmandades católicas de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito.

 

Atualmente, apenas um grupo de Congada ainda resiste na cidade da Lapa: a Congada da Família Ferreira. Ney Ferreira é o mestre e guardião desta herança cultural. Conhece as falas e as letras das músicas do auto, que são transmitidos para as gerações mais jovens durante os ensaios. A peça mais preciosa do acervo da família Ferreira, guardada a sete chaves, é um caderno manuscrito datado de 1935. Nele estão anotadas as falas dos personagens da Congada.

 

Possivelmente o primeiro registro cinematográfico da Congada da Lapa foi realizado em 1951, pelo antropólogo José Loureiro Fernandes e pelo chefe da Seção de Cinema Educativo do Museu Paranaense, Vladimir Kozák. Naquele ano, no mês de agosto, haveria o I Congresso Brasileiro de Folclore, no Rio de Janeiro, o professor Loureiro queria divulgar sua pesquisa sobre a Congada e representar o Paraná no evento. Entretanto, já fazia alguns anos que a Congada da Lapa não se apresentava. Até o figurino teve que ser produzido para a encenação. Coube a Kozák fazer a coroa do Rei do Congo com papelão, tinta, arame, miçangas e fitas. Uma pele de onça, do acervo do Museu Paranaense, foi utilizada para complementar o cenário. 

 

O filme “Congadas Paranaenses” tem a duração de 50 minutos e apresenta todas as etapas do auto da Congada da Lapa de 1951. Foi dirigido e produzido pelo antropólogo José Loureiro Fernandes, com verbas do Museu Paranaense. Vladimir Kozák fez a filmagem, a direção de arte, o roteiro e a edição. As imagens foram gravadas em filme 16 mm, colorido e sem sonorização. 

O filme tem início com a imagem do mapa do Paraná e a localização da cidade da Lapa. Em seguida são apresentados os personagens da Congada: guias, músicos, porta-bandeira, duque, chefe, embaixador, nobre, marques, secretário, príncipe, a rainha, o rei do Congo e o reizinho. Na primeira cena, o Rei do Congo, interpretado por Celeste Ferreira, dorme à sombra de uma araucária, o pinheiro do Paraná. A intenção de Kózak é conduzir o espectador no sonho do rei, criando uma situação lúdica, mas sem a utilização de efeitos sonoros ou falas, pois o filme não possui áudio.

Sem título.jpeg

A Congada é uma manifestação tradicional da

cultura popular brasileira, celebrada em diversas regiões do Brasil.

No Paraná, a cidade da Lapa é uma das poucas localidades da

região sul onde a Congada acontece.

WhatsApp Image 2024-11-19 at 07.50.55.jpeg

Em seguida, o Rei acompanhado de um menino, o reizinho, caminha no centro histórico da Lapa. Os dois dirigem-se para a periferia da cidade, onde os demais personagens da Congada preparam-se para uma apresentação. Juntamente com o Rei, o cortejo real, devidamente caracterizado, percorre as ruas da cidade até o local da apresentação onde fora montado um palco, em frente ao Santuário de São Benedito.


Na sequência começam as danças, cantos e declamações dos diversos personagens: rei, rainha, príncipe, secretário, embaixador, cacique e os meninos conguinhos. Estes encenam a visita da embaixada da rainha Ginga de Angola ao rei do Congo Zumbi Ganaiame. Esta ruidosa embaixada chega em um momento impróprio, interrompendo os festejos de devoção a São Benedito e causando um incidente diplomático. Após a dramatização de uma guerra, o rei do Congo vence a batalha e convida a embaixada de Angola para participar das homenagens ao santo.

 

    Através da festa, das encenações, da música, dos cantos e declamações, os integrantes da Congada reafirmam sua identidade e memória. De forma lúdica, reverenciam seus ancestrais e o continente africano, formado por reis, rainhas e reinos poderosos como o Congo e a Angola. A Congada da Lapa é antes de tudo resistência. Descendentes de escravizados buscam visibilidade cultural em um Estado marcado pela valorização da história das tradições dos imigrantes europeus.

WhatsApp Image 2024-11-19 at 08.01.19 (2).jpeg

Imagens do filme “Congadas Paranaenses” produzido pelo antropólogo Jose Loureiro Fernandes,

com direção de arte, filmagem e edição de Vladimir Kozák.

Imagem pertencentes ao acervo do Museu Paranaense / SEEC - Governo do Estado do Paraná

 

Manuscrito de Vladimir Kozák

 

“São Benedito foi cultuado pelos escravos negros por séculos e séculos. Este culto e veneração sobreviveu aos nossos dias, e os homens livres até hoje promovem festas em honra a este santo negro. Mas estes festivais mesmo raramente são ocasionalmente realizados na Lapa. 

 

  Neste lugar histórico, as Congadas têm sido realizadas somente uma vez a cada dez anos. As Congadas da Lapa, são uma estranha mistura, da religião católica africana, europeia e portuguesa, formando um folclore único.

 

 A história desenvolve-se a partir de um fato histórico a conquista do território de Angola na África pelos portugueses. E apresenta a história de como a rainha africana, Ginga a soberana de Angola enviou embaixadores ao rei do Congo, o poderoso naqueles dias Zumbi Gonaiama. 

 

  Mas os embaixadores foram feitos prisioneiros, por Zumbi  Gonaiama, mais tarde é claro eles foram perdoados e retornaram com uma mensagem do rei negro para a rainha Ginga. 

 

  Este é o final feliz deste espetáculo alegórico tal qual foi encenado em 06 de maio de 1951 na Lapa. Como é bom se tornar um rei, mesmo que seja em um sonho” (KOZAK,1951).