Atualizado em 06/12/2024
Por Fernanda Maranhão
A proposta de se criar uma data para comemorar a participação dos povos originários na formação étnica e cultural das américas, surgiu durante o I Congresso Indigenista Interamericano, realizado no México em 1940.
Apesar da adesão de quase todos os países do continente americano ao evento, somente Brasil, Argentina e Costa Rica aderiram a proposta e adotaram o dia 19 de abril. No Brasil especificamente, o Dia do Índio foi instituído através do decreto-lei 5.540 de 02 de junho de 1943, pelo presidente Getúlio Vargas.
Na foto acima, Ianukula Kaiabi e Watatakalu Yawalapitti e Fernanda Maranhão cruzam o Rio Xingu. Foto de Marcelo Miguel
Ao longo dos anos essa data passou a ganhar mais importância no calendário comemorativo do poder público. No mês de abril, são realizadas atividades em escolas, museus e espaços culturais em geral. Muitos indígenas deixam suas aldeias para participar desses eventos, sendo convidados para palestras, apresentações de danças e venda de artesanato. Em muitas cidades brasileiras comemora-se a semana do índio ou mesmo o mês do índio.
Mais recentemente, esta data passou a ser ressignificada deixando de ser simplesmente um dia comemorativo à contribuição dos povos originários para a construção da identidade nacional. O mês de abril passou a ser o mês de conscientização para as lutas e os direitos do Povos Indígenas.
Entretanto muitos indígenas criticam a data e se recusam a comemorá-la. Para eles o termo índio, criado pelo colonizador, é uma nomenclatura genérica, preconceituosa e discriminatória, que não dá conta da diversidade étnica e cultural dos povos originários. Afinal, no Brasil existem atualmente 305 povos indígenas, falantes de 274 línguas diferentes (IBGE,2010).
No mês passado, lendo postagens no Facebook, uma publicação em especial prendeu minha atenção. Meu amigo Ianukula Kaiabi Suiá, do Parque Indígena do Xingu escreveu na sua página :
“Amanhã é dia 19 de abril. Já avisando que não sou índio.
Dar Parabéns é Vexame, tá bom?
Mas se quiser falar de indigenismo estou dentro”.
Para entender a fala de Ianukulá é preciso conhecer um pouco das experiências e vivências dos jovens líderes e ativistas indígenas brasileiros.
Conheço Ianukulá desde quando fui pela primeira vez ao Xingu em 2014 para participar de um ritual do kwarup na aldeia Yawalapiti. Ianukulá e sua mulher Watatakalu, são representantes destas novas gerações de indígenas, nascidos nos últimos quarenta anos.
Filhos de linhagens de grandes lideranças xinguanas, Ianukula e Watatakalu tem se dedicado a valorização e a divulgação das culturas indígenas xinguanas, bem como, à preservação do meio ambiente e a proteção e exploração sustentável das terras do Parque Indígena do Xingu (PIX).
Ianukula é formado em administração e preside atualmente a ong ATIX, Associação Terra Indígena do Xingu que representa os 16 povos que ali vivem. Em 2017 a ATIX recebeu em Nova York o Prêmio Equatorial da ONU pela autocertificação de um produto orgânico. O Mel dos Índios do Xingu, que é produzido por 100 apicultores de 39 aldeias dos povos Kawaiwete, Yudja, Kisêdjê e Ikpeng.
Ianukulá cumpre diariamente uma agenda cheia: são reuniões nas diversas aldeias no Xingu, atividades na cidade de Canarana-MT onde a ATIX tem sede, eventos em Brasília-DF, além da participação em encontros internacionais sobre clima e direitos indígenas.
Foto tirada na aldeia Palushayo, no Parque Indigena do Xingu em visita a familia de Ianuculá e Watatakalu. Foto de Jair Yawalapitti
Watatakalu é artista, ativista, palestrante e influencer. Coordenadora reeleita da ATIX MULHER, divide seu tempo entre as atividades da ONG, os convites para palestras e a produção e venda de artesanato. Possui uma página no instagram onde publica vídeos divulgando sua cultura e as atividades da militância das mulheres xinguanas.
Esta geração de indígenas da qual Ianuculá e Watatakalu fazem parte é formada por um exército de guerreiros e guerreiras que vem se destacando nas organizações sociais, na militância, na política e nas artes. Muitos deles tem seu trabalho reconhecido no Brasil e até mesmo no exterior. Só para citar alguns exemplos, temos na Literatura - Daniel Munduruku, Davi Kopenawa, Eliane Potiguara, no cinema - Takumã Kuikuro, Graciela Guarani e Kamikia Kisêdjê, nas artes plásticas – Denilson Baniwa e Daiara Tukano, na música Djuena Tikuna, Edvan Fulni-ô e Nory Kayapó e na política - Sonia Guajajara e Joênia Wapichana.
Em suas lutas por reconhecimento, valorização e visibilidade das culturas indígenas, cada um deles adotou como sobrenome o nome do seu Povo – Munduruku, Kopenawa, Guarani, Kisêdjê, Baniwa, Tukano, Guajajara,... Reafirmando assim a diversidade dos Povos Indígenas Brasileiros, que há mais mil anos habitam as terras que hoje chamamos Brasil.
Atendendo as demandas dos indígenas, neste mês de maio, foi aprovado no Senado Federal o projeto de lei da deputada federal Joênia Wapichana (Rede RR) que muda o nome “Dia do Índio” para “Dia dos Povos Indígenas”.
A partir de agora, o dia 19 de abril não é mais o dia do índio, mas sim, “Dia dos Povos Indígenas”.