Atualizado em 06/12/2024
Por Marcelo Miguel
“Os povos indígenas têm o direito coletivo de existir em paz e segurança como povos distintos e de serem protegidos contra o genocídio, assim como os direitos individuais à vida, integridade física e mental, liberdade e segurança da pessoa.”
Esta afirmação é da Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, que apesar de ter sido elaborada em princípio dos anos 90, foi aprovada pela ONU somente no ano de 2007.
Como o Brasil é um dos signatários deste documento, é obrigação do país e do governo brasileiro também reconhecer este e todos os demais princípios estabelecidos neste documento internacional.
No Brasil a primeira legislação que fez referência aos direitos dos povos indígenas data de 1570, que foi justamente a lei que proibia o cativeiro e a comercialização de indígenas em terras brasileiras.
Apesar desta ser uma norma e regra muita antiga, o direito dos povos indígenas, como é de conhecimento de todos, sempre foi por muitos anos ignorado e desrespeitado.
Um marco importante na consolidação destes direitos foi a Constituição de 1988. Até esta data, os indígenas no Brasil eram juridicamente considerados “incapazes”.
Incapaz sob a ótica do direito é aquele indivíduo que não pode exercer seus direitos e as ações da vida civil por não ter sua existência reconhecida. Para o direito e para a justiça, um indígena não existia até então, o que não permitia a ele, o ato de comprar ou vender algo, a ação de assinar um contrato ou celebrar qualquer outro ato, sem a tutela de alguém ou de algum organismo.
A Constituição de 1988 colocou os indígenas no patamar dos “relativamente capazes”, ou seja, passou a reconhecer a existência do indígena enquanto indivíduo, lhe garantiu o direito ao voto e de outras obrigações e direitos do cotidiano da vida civil, mas manteve a tutela da FUNAI. Qualquer atividade ou celebração de um ato jurídico, qualquer ato legal praticado por um indígena, somente tem valor legal desde que reconhecido pela FUNAI.
Mas apesar desta condição, o mais importante foi que a Constituição Federal de 1988, passou a reconhecer o direito dos povos indígenas aos seus territórios e o seu direito essencial de manutenção e preservação de sua cultura.
Como no ano de 1988 havia apenas 10% de terras indígenas demarcadas no Brasil, a legislação estabeleceu que o governo teria um prazo extra de dez anos para concluir todo o processo de demarcação de todas as terras indígenas existentes no país. Ou seja, até o ano de 1998, todas as demarcações deveriam ser concluídas.
Infelizmente a realidade e os esforços dos últimos governos no cumprimento desta determinação legal não foram eficientes. Em 2018 haviam menos de 30% de terras indígenas demarcadas, e o atual governo ainda questiona e tenta de todas as maneiras anular demarcações que já foram consumadas.
É o caso do chamado marco temporal que está sendo discutido no STF e terá uma importante deliberação no mês de agosto deste ano.
Nas fotos, manifestações realizadas durante acampamento Terra Livre em Brasília/DF.
Foto de Marcelo Miguel
De forma resumida, o novo marco temporal estabelece que o direito a terra dos povos indígenas somente será reconhecido aos povos que estavam assentados nas áreas pleiteadas até o ano de 1988.
Esta posição não leva em consideração que, muitos povos que pleiteiam a demarcação de terras indígenas, foram expulsos de seus territórios originais, ou foram levados a força, como ocorreu com o povo Xavante no caso conhecido da Fazenda Suiá-Missu, quando em 1967 os militares brasileiros chegaram a embarcar toda a aldeia em aviões da FAB e “descarregar” toda a população desta etnia há mais de 700 Km de distância de sua terra natal.
Sem a demarcação de terras indígenas, sem o reconhecimento ao direito de posse, muitas terras indígenas no Brasil, sofrem ataques e invasões constantes por parte de garimpeiros, posseiros, madeireiros e mineradoras. Outra ameaça são os fazendeiros, que também invadem territórios na ânsia de ampliar suas fazendas, incorporando terras indígenas e transformando estes em novas áreas de pastagens ou plantações.
Além de colocar em risco a sobrevivência e a vida de muitos povos, estas ações de agressão a terra e aos povos indígenas, coloca em risco também a proteção do meio ambiente e o equilíbrio climático do planeta.