Atualizado em 06/12/2024
Por Fernanda Maranhão
O último povo indígena a ter contato com os colonizadores no sul do Brasil, o povo
Xetá, vivem em sua maioria no estado do Paraná. Algumas poucas famílias moram nos estados vizinhos, em Santa Catarina e São Paulo.
Constituem uma população de aproximadamente 200 pessoas. Não possuem terras demarcadas, sendo que a maior parte habita a terra indígena São Jerônimo no norte do Paraná, destinada originalmente aos indígenas Kaingang e Guarani. Há ainda algumas famílias na Terra Indígena Kakané Porã em Curitiba e na Terra Indígena Marrecas dos Índios no município de Turvo, no estado do Paraná e também na Terra Indígena Xapecó, nos municípios de Ipuaçu e Entre Rios, no estado de Santa Catarina. Outras famílias Xetá moram em áreas urbanas nas cidades de Curitiba, Guarapuava e Douradina no Paraná.
As fontes históricas mais antigas sobre os Xetá datam do século XVII, e descrevem a presença desses indígenas na região entre os rios Paraná, Ivaí e Piquiri. No século XX, a ocupação do território paranaense fez com que os indígenas Xetá se deslocassem para a região noroeste do estado, passando a viver na floresta da Serra dos Dourados, na margem esquerda do rio Ivaí, há 30 kms do rio Paraná.
No final da década de 1940 a expansão cafeeira, a exploração da madeira e a ação de companhias colonizadoras atingiram o território Xetá. As matas da Serra dos Dourados foram derrubadas, o território devastado e os Xetá foram violentamente impactados. Estima-se que a ocupação desordenada da terra tenha resultado na redução drástica de mais de 70% desta população indígena. Dentre as ações violentas de companhias colonizadoras há relatos de doenças, envenenamentos, assassinatos, rapto de crianças e remoção forçada do território.
Em 1949 agrimensores da companhia colonizadora Suemitsu Miyamura Ltda, avisaram ao Serviço de Proteção ao Índio -SPI (atual FUNAI) sobre a presença de indígenas vivendo tradicionalmente na região. Entre 1952 e 1953, dois meninos, Tikuein Uéio Kaiuá e Anambu Guaka (arara vermelha e nhambu), foram retirados da floresta pelos agrimensores e encaminhados para o SPI em Curitiba. Os meninos receberam novos nomes, Kaiuá passou a chamar Antônio Guairá Paraná e Anambu Guaka ficou sendo Tucanambá José Paraná.
Em 1955 o Serviço de Proteção ao Índio - SPI organizou duas expedições para localizar e fazer os primeiros contatos com esse povo indígena. Tuca e Kaiuá participaram, trabalhando como intérpretes. A equipe contou ainda com o antropólogo José Loureiro Fernandes, responsável pela disciplina de antropologia e o fotógrafo e cinegrafista tcheco Vladimir Kozák, ambos vinculados a Universidade Federal do Paraná.
Entre 1956 e 1961, Loureiro Fernandes através do Instituto de Pesquisas da UFPR continuou a fazer pesquisas com os indígenas Xetá. Ao todo foram organizadas 13 expedições na região, da qual participaram pesquisadores nacionais e estrangeiros. Foram realizados levantamentos linguísticos, etnográficos e de cultura material.
Os linguistas Čestmír Loukotka, da Tchecoslováquia, Mansur Guérios e Aryon Dall’igna Rodrigues coletaram vocabulário Xetá. Rodrigues identificou a língua Xetá como sendo um dialeto Guarani, pertencente à família línguistica Tupi-Guarani.
A arqueóloga francesa Annette Laming-Emperaire em coautoria com as colegas brasileiras Maria José Menezes e Margarida Andreatta descreveram o processo de confecção do machado de pedra Xetá. O antropólogo José Loureiro Fernandes realizou o mapeamento das aldeias, coletou vocabulário e gravou mitos, narrativas e cantos Xetá. Dedicou-se especialmente a descrição da cultura material: os acampamentos e as casas, os modos de subsistência e a confecção dos alimentos, a cestaria e a tecelagem, as armas e as ferramentas, os adornos, os instrumentos musicais e as esculturas em cera Xetá.
No momento do contato foram localizados oito acampamentos Xetá todos ligados por trilhas, onde viviam 60 indivíduos. Estima-se que a população total atingia entre 400 a 800 pessoas (Silva, 2003:20). Devido aos constantes deslocamentos pela mata e sempre fugindo das frentes colonizadoras, os grupos familiares Xetá habitavam acampamentos temporários constituídos por três a cinco pequenas casas circulares. As atividades de subsistência baseavam-se na caça de mamíferos, aves e répteis, e na coleta de frutos silvestres, palmitos, raízes e mel. Consumiam uma bebida de erva-mate fria ou quente, a qual chamavam de Kukuai. Possuíam conhecimento de tecelagem e confeccionavam com fibras de bromélias uma única peça - a tanga masculina. Ao contrário do que se pensou na época estudos mais recentes comprovaram que os Xetá não eram um povo nômade caçador-coletor, eles viviam em grandes aldeias, onde realizavam seus rituais, confeccionavam cerâmica e praticavam a agricultura.
Todas as expedições de contato e pesquisa foram registradas pelas lentes de Vladimir Kozák o qual produziu uma importante documentação etnográfica. São filmes, fotografias em preto e branco, diapositivos coloridos, além de desenhos e anotações em cadernetas de campo. Destaca-se o documentário etnográfico Os Xetá da Serra dos Dourados, dirigido por Loureiro Fernandes, exibido em congressos científicos no Brasil e no exterior. Estes registros imagéticos e documentais atualmente fazem parte dos acervos do Museu Paranaense e do Museu de Aqueologia e Etnologia da UFPR. Uma parte pequena deste acervo encontra-se no exterior nos Estados Unidos, Canadá e França, a exemplo do Museu de História Natural, em Nova York, Museu Glenbow em Calgary e o Museu do Homem em Paris.
No começo dos anos 1960, o Serviço de Proteção ao Índio - SPI transferiu algumas famílias Xetá sobreviventes para as terras indígenas Marrecas e Pinhalzinho, localizadas nos atuais municípios de Turvo e Tomazina, no estado do Paraná. Vladimir Kozák manteve-se em contato com uma família Xetá transferida para a TI Marrecas e com os meninos Tuca - Anambu Guaká e Kaiuá - Tikuein Uéio, que viviam em Curitiba. Durante as visitas, além de filmar e fotografar, Kozák incentivou os indígenas a desenharem suas lembranças dos rituais e atividades cotidianas. Os desenhos e narrativas descrevem as grandes casas familiares e os rituais de passagem dos meninos Xetá. Nesta ocasião os meninos tinham seus lábios furados passando a usar o tembetá, adorno de uso masculino confeccionado com resina translúcida de jatobá.
Apesar dos esforços de Loureiro Fernandes, junto ao governo estadual e federal, para demarcar uma terra para os Xetá, as terras tradicionais usurpadas desse povo indígena deram origem a cidades como Umuarama, Douradina, Ivaté e Serra dos Dourados. Somente em 2000 a Funai iniciou os estudos para criação da terra indígena Herarekã Xetá, cuja demarcação ainda não foi concluída. Mais de 60 anos se passaram sem que os Xetá recebessem alguma medida compensatória pelo esbulho de suas terras e pela violência sofrida. Ainda que o estado brasileiro, através da Comissão Nacional da Verdade, tenha reconhecido em 2014 sua incapacidade por não ter garantido aos Xetá o direito a sua terra e a sobrevivência física e cultural.
Nos últimos vinte anos os Xetá, tem participado de projetos de pesquisas acadêmicas e programas governamentais desenvolvidos pela secretaria estadual de educação do Paraná em parceria com a Universidade Estadual de Maringá, o Museu Paranaense e o Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná. Diversas publicações voltadas para a educação escolar indígena e para o registro da cultura Xetá foram produzidos em parceria entre os indígenas Xetá e os pesquisadores.
Recentemente os Xetá da terra indígena São Jerônimo, Dival e Claudemir da Silva, filhos de Tikuein (Nhangoray - mão pelada) criaram uma associação e iniciaram projetos de produção de artesanato e divulgação de sua cultura. Em parceria com as escolas do município de São Jerônimo da Serra, os Xetá vêm realizando atividades na aldeia com os estudantes. Também foram iniciadas experiências com diferentes materiais, utilizados na produção de artesanato para comercialização. Um projeto para criação de abelhas jataí e aproveitamento da cera para a confecção de esculturas, está em fase de implementação. Por enquanto estão sendo comercializados colares de sementes com pingente de madeira representando o tembetá, tradicional adorno labial Xetá. Além de belas esculturas de animais em madeira.
Hoje os Xetá lutam por reconhecimento e políticas públicas. Aguardam a finalização da homologação de sua terra Herarekã Xetá de 2868 hectares, em seu território tradicional, no município paranaense de Ivaté. O processo foi interrompido em 2015 por uma ação judicial movida por fazendeiros da região que contestam a demarcação destas terras.
Na foto acima, Vladimir Kozák durante expedição na década de 60.
Todas as imagens foram produzidas por Vladimir kozák e pertencem ao acervo do
Museu Paranaense. SEEC / Governo do Estado do Paraná.