Capítulo XXI

A Companheira de Aventuras

Por Fernanda Maranhão

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Imagens produzidas por Vladimir kozák pertencentes ao acervo do Museu Paranaense / SEEC - Governo do Estado do Paraná

 

No final da década de trinta a Europa assiste perplexa aos primeiros movimentos e fatos que deram início a Segunda Grande Guerra Mundial. Os primeiros alvos do projeto expansionista de Hitler foram a Áustria e a Tchecoslováquia. A Áustria foi ocupada e anexada pelos nazistas em março de 1938. A Tchecoslováquia, embora fosse a única democracia parlamentar da Europa no início do século XX, apresentava problemas com pequenos grupos étnicos em conflitos com um grande numero de alemães que habitavam o país. Com o pretexto de defender esta população de origem germânica, em 16 de março de 1939, sem nenhuma resistência, Hitler invadiu com seu exército a cidade de Praga e proclamou a anexação de metade da Tchecoslováquia ao território do Terceiro Reich. As regiões anexadas passaram a ser chamadas de Protetorado da Morávia e Boêmia.

 

A outra metade da Tchecoslováquia, que deu origem a Eslováquia, era um território aliado dos alemães, e desta forma, Hitler buscava a separação entre tchecos e eslovacos. Mas a segunda guerra começa oficialmente somente em setembro de 1939, com a invasão da Polônia.

 

Assustada com os acontecimentos, com a tomada da Tchecoslováquia pelos alemães, Karla Kozáková prepara-se para deixar seu país. A opção mais lógica seria visitar o irmão Vladimir Kozák no Brasil. Inicialmente o plano seria ficar com o irmão até o término do conflito. Ela não imaginava que nunca mais voltaria a ver a sua terra natal.

 

Em 05 de outubro de 1938, Karla escreve ao irmão comunicando a morte do pai, Frantisek Kozák, aos 74 anos. O corpo do pai seria cremado em Olomouc (Morávia), e as cinzas enterradas em Bystřice pod Hostýnem. Na carta, ela fala para Vladimir do seu desejo de vir ao Brasil, e pede que ele mande dinheiro para a passagem de navio. Ela conta também que pretende tirar seis meses de licença para estudos, de seu trabalho como professora de arte em Olomouc.

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Acima, quadro do pintor tcheco Zdeněk Burian, retratando os irmãos Kozák em sua passagem pelo Alto Xingu. Esta obra esta em exposição na Prefeitura de Bystřice pod Hostýnem na Morávia.

Um ano mais velha que Vladimir, Karla nasceu em Bystřice pod Hostýnem na Morávia, em 05 de março de 1896. Aos 30 anos concluiu o Curso Profissional de Bordado Artístico, na Escola Superior de Arte Industrial, em Praga. Entre as disciplinas, estudou História da Arte, Geometria, Bordado Artificial, Desenho, Caligrafia, Composição e Língua Alemã. Segundo os professores Jan Beneše, de desenho e Ida Kroutková, de bordado artificial, Karla demonstrou grande talento, destacando-se por suas composições pela forma e cor.

 

Um mundo novo a aguardava no Brasil. Um mundo de cores, aventuras, viagens e flores, muitas flores que iriam inspirar os seus talentos para a pintura. Somente no ano seguinte, mais precisamente no dia 19 de julho de 1939, Karla pegou um trem em Praga, iniciando sua viagem em direção a Normandia, na França. Lá comprou sua passagem em um navio para o Rio de Janeiro, com paradas em Lisboa, Ilha da Madeira, Ilha de São Vicente e Salvador/Bahia. Chegou no Rio de Janeiro no dia 07 de agosto de 1939.

 

Em seu diário ela descreve a viagem ao Brasil: “... a vida no navio é sempre igual, comida, bebida, andar no barco ou brincar, novidade é a piscina, pequena, mas agradável. Fico sozinha bastante tempo, o mar é lindo e tranquiliza a gente (29 de julho de 1939).

 

“As noites a bordo são lindas e claras. Tinha dança, mas eu passei a maior parte da noite observando o mar” (31 de julho de 1939).

 

“... passamos pelo Equador, mas eu não estava bem, a enfermeira me disse que algumas pessoas têm mal-estar, quando ultrapassam o Equador. Agora está tudo bem, chegamos no Brasil (4 de agosto de 1939).

 

“Levantei-me cedo, ansiosa, mas não vi muita coisa no porto – armazéns e um muro de pedra, o mar com uma água verde muito linda, mas estava chovendo, estávamos em Pernambuco. A parada era curta, não deu para fazer nada, sai do navio para descer no porto, porém a cidade estava longe, não vi nada.

 

“Amanhã estaremos na Bahia, vou receber outra carta com informações do meu irmão. Não sei onde vou descer, a viagem toda é uma quebra-cabeça. Enfim, ficamos na Bahia somente duas horas. Em Salvador tinha uma vista muito bonita de cima para a praça em baixo, e o mar com os barcos”.

 

“Chegamos no Rio de Janeiro no dia sete de agosto. A vista para o Rio durante o dia e durante a noite é maravilhosa. Não dá para expressar essa coisa linda pelas palavras. Me preparei cedo para descer entre os primeiros, ansiosa para confirmar se meu irmão está me esperando. Já vejo meu irmão, estou correndo, mas não posso descer, primeiro descem os brasileiros, somente depois os estrangeiros. É uma pena que não podia ficar no Rio pelo menos um pouco, talvez na viagem de volta.”

 

Assim que Karla desembarcou, os irmãos pegaram um ônibus para São Paulo, pernoitando na cidade. No dia seguinte, mais 13 horas de ônibus até Curitiba. Era o dia 09 de agosto de 1939.

Kozák sentiu uma felicidade muito grande com a chegada da irmã. Nos primeiros meses os dois fizeram muitas viagens aos arredores de Curitiba. Karla conheceu os encantos da Serra do Mar, com suas cachoeiras, flores e pássaros. A experiência resultou na produção de uma belíssima coleção de flores pintadas em aquarela, com ênfase especial nas bromélias e orquídeas. Muitas dessas obras não estão assinadas, apenas umas poucas obras levam a assinatura de Karla, ou a assinatura de Vladimir. Eles pintavam a partir dos registros fotográficos. A técnica consistia em projetar os slides coloridos na parede e em seguida entregar-se a pintura.

 

Na maioria das vezes, tanto o nome popular quanto a nomenclatura científica das orquídeas, foram cuidadosamente anotados no verso dos trabalhos. Nesta época no Brasil, estavam sendo criadas as primeiras associações de orquidófilos. Vladimir Kozák e Karla conheciam Albino e Gert Guenther Hatschbach, pai e filho que coletavam orquídeas na Serra o Mar e que anos mais tarde se tornariam referências neste estudo.

 

Não sabemos se Karla e Vladimir eram orquidófilos de carteirinha, mas com certeza seus trabalhos têm um nível de detalhamento muito próximo dos atuais desenhos científicos de flores. 

Seus trabalhos têm um nível de detalhamento muito próximo dos atuais desenhos científicos de flores.

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Karla adaptou-se muito bem a vida no Brasil com o irmão. Partilhava com ele a sensibilidade artística e o gosto pela natureza, pelas viagens e aventuras. Quase todos os finais de semana, os irmãos faziam suas pequenas expedições nos arredores da cidade.

 

Além das frequentes caminhadas na Serra do Mar, gostavam de visitar o município de Campo Largo, para ver os pinheiros de araucária e os ipês floridos, além dos engenhos de erva mate. Outro destino frequente era a cidade de Joinville, no estado vizinho de Santa Catarina. A região foi colonizada por alemães e também por alguns compatriotas tchecos.

 

Como o irmão, Karla também mantinha o hábito de anotar cuidadosamente suas impressões do Brasil em um diário. Nessa época o irmão Vladimir fazia mais os registros imagéticos, fotografando, filmando, desenhando e pintando tudo o que eles viam.

 

O primeiro natal no Brasil, Karla passou acampada junto as formações rochosas de Vila Velha, na região de Ponta Grossa, região central do Paraná. A ceia foi em torno da fogueira, na companhia do irmão e do amigo argentino, o medalhista José Peón. Observando a luz da fogueira e dos vaga-lumes, eles comeram passas, amêndoas e queijo colonial.

 

Nas primeiras férias que tirou da Companhia Força e Luz após a chegada da irmã, Vladimir levou Karla para conhecer a capital do país, o Rio de Janeiro. Fizeram a viagem de carro em dois dias, parando para dormir em São Paulo. Chovia muito, Kozák derrapou e bateu o veículo. Felizmente nada muito grave.

 

Na cidade maravilhosa visitaram as praias do Leme ao Leblon, e conheceram a estrada da Gávea. Karla preferiu nadar nas águas calmas da praia do Flamengo, próximo ao hotel onde ficaram. Foram ao Corcovado, ao Museu Nacional e ao Jardim Botânico e visitaram a cidade de Petrópolis. No Rio de Janeiro, Kozák filmou o carnaval de rua. Era 03 de fevereiro de 1940.

 

Em maio de 1941 o visto temporário de Karla para sua permanência no Brasil expirou. Ela teria que sair do país, para depois retornar e dar entrada no pedido de visto permanente. Kozák tirou férias e viajou com Karla de navio do Rio de Janeiro, para a Argentina.

 

Visitaram Buenos Aires e Bariloche e fizeram por trem, pela extinta Ferrovia Transandina a travessia da Cordilheira dos Andes até o Chile. Além dos filmes e fotografias da viagem, destaca-se uma coleção de desenhos e pinturas em papel, das deslumbrantes paisagens nevadas. No verso de alguns desenhos, consta os nomes de lagos, vulcões e montanhas do sul do Chile: Laguna del Inca, Espinazo Del Diablo, Ozorno, El Trovador, entre outros.

 

Resolvidas as questões legais, Karla começou a acompanhar o irmão em expedições cada vez mais longas e arriscadas, que exigiam grande esforço e planejamento. Primeiro foram as viagens de pesquisas realizadas pelo Museu Paranaense, no estado do Paraná. 

 

Depois, as viagens de férias no Paraná e nos estados da Bahia e Mato Grosso do Sul. Por último as maiores aventuras, as distantes viagens aos povos indígenas brasileiros. Karla participou de algumas expedições com a equipe do Museu Paranaense, como assistente do irmão Vladimir. Provavelmente a primeira delas foi em 1945, para uma fazenda de criação de gado.

 

O antropólogo Loureiro Fernandes, acompanhou o governador do Paraná, Manoel Ribas, até a fazenda Bela Vista, pertencente ao deputado Brasílio Araújo. Kozák filmou a visita do governador e o manejo do gado zebu, espécie rústica importada da Índia que estava sendo introduzido no Brasil.

 

Em fevereiro de 1948, Karla participou de uma longa expedição de pesquisas do Museu Paranaense, à região oeste do Paraná. Foram 35 dias de viagens explorando o rio Paraná, na companhia do geólogo e geógrafo João Bigarella e do naturalista, e estudante de medicina Carlos Gofferjé. O objetivo da expedição era o registro fotográfico e cinematográfico da região, além da coleta de rochas e espécimes da fauna, para enriquecer as coleções do museu. Na época a economia local dependia da erva mate.

 

Produzida no estado do Mato Grosso do Sul, a erva mate era transportada em embarcações através do rio Paraná, tendo como destino principal à Argentina. Nos trechos com cachoeiras a carga era desembarcada no Porto de Guaíra e transportada por linhas férreas até o porto fluvial Porto Mendes, atualmente município de Marechal Candido Rondon.

 

Kozák documentou detalhadamente toda a viagem. As belezas naturais como o paredão rochoso com os ninhos das araras no rio Ivinhema no Mato Grosso do Sul, as Sete Quedas em Guaíra e as Cataratas do rio Iguaçu, no Paraná. Registrou a economia da região e os primeiro danos ambientais. As densas florestas ao longo dos rios começavam a ser derrubadas. O transporte da erva mate dependia da madeira, para alimentar os navios a vapor e as locomotivas. Kozák também registrou a retirada de madeira do Paraná e o envio das toras ainda brutas pelos rios até chegarem na Argentina.

 

Nos anos de 1949 e 1950 Karla e Kozák realizaram por conta própria duas expedições para conhecer e documentar o Pantanal Mato-grossense. Estas foram as primeiras grandes aventuras de Karla fora do estado do Paraná.

 

Durante as férias de 1948 a 1951, Karla e o irmão fizeram suas próprias expedições, viajando e documentando as belezas naturais, as comunidades locais e a diversidade das culturas populares brasileiras.

 

Primeiro foram os registros do carnaval em Paranaguá e das atividades dos pescadores em Matinhos. Era o ano de 1948, quando os irmãos Kozák fizeram duas viagens ao litoral do Paraná para produzir seus documentários. O primeiro deles “Carnaval em Paranaguá”, foi realizado com seis dias de filmagens, começa com a viagem de trem de Curitiba a Paranaguá, descendo à Serra do Mar. Após algumas imagens da cidade e de sua arquitetura colonial, a câmera foca nos desfiles de rua do carnaval. Diversos blocos de foliões e enormes carros alegóricos apresentaram-se nas ruas para alegria da população.

 

Para o segundo documentário “Ilha dos Currais”, foram três dias de filmagens junto a vila de pescadores de Matinhos. Após filmar as atividades dos pescadores na praia, Karla e Kozák embarcaram com um grupo para uma pescaria na Ilha dos Currais. Enquanto os homens pescavam, os irmãos exploraram a ilha, produzindo imagens dos ninhos dos albatrozes e de outros pássaros.

 

As férias dos anos de 1949 e 1950 exigiram mais tempo e organização. Foram duas expedições para conhecer e documentar o Pantanal Mato-grossense. Nas duas viagens Karla e Kozák, na companhia de um amigo atleta, saíram de ônibus de Curitiba em direção ao estado de São Paulo. Na cidade de Ourinhos seguiram por trem, passando por Campo Grande até Porto Esperança no Mato Grosso do Sul. De lá continuaram a viagem de barco pelo rio Paraguai até Corumbá. De Corumbá visitaram diversas fazendas na região, onde filmaram e fotografaram os costumes locais, a fauna e a flora.

 

O que mais encantou os irmãos foram os viveiros das garças na Fazenda Campinhos. Em carta de agradecimento e artigo escritos posteriormente, Kozák não deixou de elogiar as belezas da paisagem pantaneira e a coragem de sua companheira de aventuras, a irmã Karla.

 

“Em Campinhos a Dona Nair ficou muito amiga da minha irmã, pois minha irmã se adapta as condições locais em pouco minutos, e não tem medo de nada, nem de cobra nem de jacaré ou nem de outra coisa qualquer. O Viveiro, que se acha na sua propriedade, superou tudo, que tenho visto até hoje. O tal lugar é simplesmente uma coisa inédita, e eu chamaria isto de “um paraíso de naturalista”.

 

Não resta dúvida que valeu a pena, ficar por ali acampado mais de uma semana, e mesmo assim nem de longe esgotei as possibilidades cinematográficas. Apesar das conhecidas dificuldades da viagem, cada metro percorrido deste território, para nós foi uma verdadeira maravilha.” (Carta de Agradecimento ao Sr. Ruy de Barros Maciel proprietário da Fazenda Campinhos em 21/janeiro de 1951).

 

“A viagem em si é uma aventura no paraíso, à exceção do calor e do trabalho com a preparação de mosquiteiros, o transporte da câmera para lugares bastante distantes, e a observação dos temas a serem filmados. O calor era tremendo e apesar disso na nossa frente havia um riacho cheio de água, nosso banho parecia ser um problema uma vez que a água estava repleta com jacarés e piranhas.

 

As piranhas são os peixes mais ferozes das águas tropicais. Por fim, pensei, piranha ou não piranha, tinha que tomar meu banho. e assim me banhava na água entre crocodilos e piranhas duas vezes por dia, e minha irmã seguia meu bom exemplo. Nossos bons vizinhos, crocodilos e piranhas, não se opuseram à nossa intrusão e apenas uma vez um jacaré me cortou com o rabo na minha perna, mas tenho certeza de que ele estava mais assustado do que eu. O peixe piranha, desta vez teve pouca chance, e eles fizeram um item e tanto no nosso cardápio; eles são digeríveis. (Filming the hard way – Pantanal,18/01/1951).

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No ano de 1953 Karla esteve com Kozák no Xingu. Ela auxiliava o irmão nas questões logísticas, mas também ajudava ele com as produções de seus filmes e fotos.  Acima, Karla aparece ao lado das mulheres do povo Kuikuro.

 

Imagem pertencentes ao acervo do Museu Paranaense / SEEC - Governo do Estado do Paraná

 

As férias de 1951 foram na Bahia. Karla e Kozák partiram de avião de Curitiba para Salvador no dia 27 de dezembro. Foram 26 dias documentando a lavagem das escadarias da igreja do Senhor do Bom Fim e os mosteiros do Carmo e de São Francisco. Na cidade baixa filmaram e fotografaram o Mercado Modelo, os Saveiros na Bahia de Todos os Santos, a travessia para a Ilha de Itaparica e a Feira Água de Meninos, onde hoje é o porto de Salvador. Seguindo pelo litoral em direção ao sul, os irmãos visitaram a praia e o farol da Barra, e viram a pesca do xaréu no Rio Vermelho. Os temas mais constantes nas pinturas e desenhos de Kozák sobre Salvador são a pesca de arrastão no Rio Vermelho, o farol da Barra e as feiras populares. Na feira Água de Meninos comercializava-se peixes, frutas e cerâmicas trazidas pelos saveiros de todo o Recôncavo Baiano.

 

Dois anos depois de conhecer Salvador, Karla fez sua primeira expedição aos territórios indígenas brasileiros, em 1953. Era a segunda viagem de Vladimir Kozák ao Alto Xingu, no estado do Mato Grosso, onde ele estivera no ano anterior, acompanhando a equipe de naturalistas do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Desta vez os irmãos viajaram por conta própria para registrar o ritual Jawary, na aldeia Kamaiurá junto ao lago Ipawù. Enquanto Vladimir fotografava e filmava, Karla além de auxiliar o irmão com os equipamentos, ficou responsável pelas anotações da viagem em caderneta de campo.

 

Enquanto os indígenas se pintavam preparando-se para as disputas com lanças, Karla desenhou os motivos e as cores das pinturas realizadas nos cabelos, nas faces e no corpo dos guerreiros.

Entre agosto e setembro de 1954 em uma mesma viagem Karla e Kozák estiveram na aldeia Karajá de Santa Isabel do Morro, na Ilha do Bananal, no estado do Tocantins e também em uma aldeia dos Kayapó Kuben-Kran-Krên, no estado do Pará. Entre os Karajá, Kozák filmou o Hetohokã, ritual de passagem masculino, onde os meninos transformam-se em homens após terem seus lábios furados para o uso do adorno labial tribal. Registrou também todo o processo de confecção da cerâmica e das bonecas Karajá. Desde a coleta da argila, a modelagem, a queima e a pintura.

No ano seguinte em 1955 Karla e Vladimir voltaram ao Pará para continuar o documentário dos Kayapó Kuben-Kran-Krên. Depois de dias na aldeia com uma alimentação bastante reduzida Karla enfraqueceu e ficou muito doente. Kozák conseguiu embarcar a irmã no primeiro avião que pousou na aldeia, antecipando seu retorno para Curitiba. Vladimir ainda passaria mais alguns dias em campo, para conhecer a aldeia Xavante na Serra do Roncador, no estado do Mato Grosso.

 

A última viagem de Karla para uma aldeia indígena foi em setembro de 1956, para conhecer os Bororo no estado do Mato Grosso. Desta vez Karla adoeceu já durante o início da viagem.

Vladimir teve que filmar o ritual funerário Bororo sozinho, pois Karla permaneceu todo o tempo descansando na casa do posto indígena.

 

“Karla adoeceu novamente, começou a vomitar e era difícil adivinhar a origem da doença. Desta vez ela suportou muito bem as viagens aéreas, comparando-as com nossas viagens perigosas no ano passado, para que pudéssemos atribuir à causa desse tipo de doença ao calor excessivo. O calor em Cuiabá e na bacia do rio São Lourenço, onde estava instalado o posto indígena era realmente opressivo. Esperávamos o melhor e não podíamos fazer nada contra isso. Karla teve seus primeiros sintomas de enjoo na própria manhã de nossa largada de Curitiba, mas não prestamos muita atenção a isso pensando que tal ataque passaria” (1956:14).

 

De manhã o clima estava um pouco mais fresco, mas Karla continuava doente e não conseguia comer nada, vomitando o tempo todo. Atribuí seus crescentes problemas aos comprimidos aralen (nome comercial do hidroxicloroquina), preventivos da malária que ela tomou. Um produto de quinino que afeta o estômago, mesmo do homem muito saudável. Mas não havia uma certeza de que sua doença súbita, deveria ser atribuída ao medicamento. Ela não poderia me acompanhar a nenhum lugar, tinha que ficar na sombra da casa, descansando e esperando a melhora (1956:28).

Nos anos seguintes Vladimir Kozák viajou sozinho para aldeia Bororo em agosto de 1957 e para uma aldeia Ka’apor no estado do Maranhão, onde permaneceu entre novembro de 1958 e março de 1959.

 

“Este ano, a excursão anual foi planejada sem minha irmã, uma vez que o mais importante o dinheiro para tal viagem era escasso. Além disso, após a experiência do ano anterior, minha irmã poderia facilmente ficar doente e isso estragaria o jogo muito facilmente, como já havia acontecido (1957:69).”

 

Karla faleceu em 14 de novembro de 1960, em Curitiba aos 64 anos. Segundo o atestado de óbito, Karla Kozáková foi internada na Casa de Saúde São Francisco. As causas da morte foram insuficiência circulatória, insuficiência cardíaca e hipertrofia.

 

As cartas trocadas entre Kozák e seus amigos não mencionam qual doença teria debilitado a irmã. Mas a falta de Karla deixou um grande vazio na vida de Vladimir Kozák, apelidado de lobo solitário por uma de suas amigas. Nas cartas os amigos mais próximos apoiaram Kozák e o incentivaram a continuar com suas viagens e seus documentários.

 

Entre o final do ano de 1962 e início de 1963, Vladimir Kozák fez sua última expedição para conhecer os Gavião do Pará, no norte do Brasil.

Imagens pertencentes ao acervo do Museu Paranaense / SEEC - Governo do Estado do Paraná